Friday 1 October 2010

Lais Bodanzky (b. 1969)

Delicia de artigo com a cineasta brasileira Lais Bodanzky, diretora de 'O Bicho de Sete Cabecas', 'Chega de Saudade' e, mais recentemente, 'As Melhores Coisas do Mundo', que lotou cinemas no Brasil.

foto: O Estado de Sao Paulo


Aos 40 anos, Laís Bodanzky é um dos nomes mais respeitados do cinema nacional. Filha do cineasta Jorge Bodanzky, ela já rodou o Brasil para levar cinema a lugares esquecidos. Além de ter lançado Rodrigo Santoro em Bicho de Sete Cabeças e mergulhado no universo da terceira idade em Chega de Saudade, ela entra com tudo no mundo dos adolescentes com As Melhores Coisas do Mundo, que anda lotando sessões desde que estreou.

Laís gosta do silêncio, do subtexto, do que não é dito. “Me interessa o mundo interno, das emoções”, confirma a própria. Só que, hoje, aos 40 anos, comemora o fato de estar exausta de tanto falar nas últimas semanas. O assunto é um só: As Melhores Coisas do Mundo, seu novo longa (inspirado na série de livros Mano, do jornalista Gilberto Dimenstein), que revela a realidade de adolescentes da classe média paulistana e toca em temas como bullying, homossexualismo e preconceito.

Vencedor de oito prêmios no Cine PE Festival do Audiovisual deste ano, o filme, que custou R$ 6 milhões, foi visto, até o fechamento desta edição, por cerca de 250 mil pessoas. É também sucesso de crítica – sobretudo dos mais ferrenhos críticos de todos os tempos, os adolescentes. De posts em blogs a twitts ligeiros (como “cabei de ver As Melhores Coisas do Mundo sério... é a minha vida contada num filme... em TODOS os detalhes”), o triunfo do longa está na rede.

Eram esses adolescentes que, em uma quinta-feira à noite, lotavam a sala de um Cinemark paulistano. Assim que o filme começa, os espectadores comentam cenas, tomam partido e acompanham baixinho a música tema, “Something”, dos Beatles. Para descobrir que uma das bandas preferidas em sua juventude ainda é das mais ouvidas pelos garotos de hoje, Laís passou dois meses se encontrando com alunos de sete escolas particulares de São Paulo. Depois, assistiu em vídeo às 2.500 entrevistas com os jovens a fim de integrar o elenco. Por fim, testou 500 finalistas, escolhendo o estudante Francisco Miguez e Fiuk, filho de Fábio Jr., para protagonizarem a história.

Mundos paralelos

O hábito de disparar a falar, como fez Laís nas cinco horas de papo com a reportagem da Tpm na sala de seu apartamento, é recente. Quem conta é Luiz Bolognesi, marido dela há 15 anos, pai de suas meninas (Carolina, 7 anos, e Mariá, 5) e sócio na Buriti Filmes. Filha única do cineasta Jorge Bodanzky (diretor de Iracema, uma Transa Amazônica, censurado pela ditadura nos anos 70) com uma professora de história da arte, Laís cresceu brincando sozinha e acompanhando o pai em sets. Formou-se em cinema pela Faap, mas antes passou pelo CPT (Centro de Pesquisa Teatral) de Antunes Filho e cursou um semestre de geografia na USP. Aos 18 anos, começou a fazer vídeos de casamentos e palestras e, em seguida, filmes institucionais. Em 1994, lançou seu primeiro curta-metragem profissional, Cartão Vermelho.

Foi por causa desses vídeos institucionais, para os quais Luiz escrevia roteiros, que o casal se conheceu. Em 1995, Laís fez assistência para o curta Pedro e o Senhor, dirigido por ele, e os dois se casaram. Um ano depois, resolveram levar cinema para periferias da Grande São Paulo e, mais tarde, para o interior do Brasil, criando o Cine Mambembe. O projeto, que ganhou patrocinadores e mudou de nome para Cine Tela Brasil, hoje leva duas salas de cinema de verdade Brasil adentro – em 14 anos foram mais de 700 mil espectadores.

Mas o idealismo de Laís tem os pés no chão. A bagunça de seu escritório mistura uma pilha de livros, DVDs e roteiros que chegam às suas mãos. Ela não parece preocupada em ganhar muito dinheiro, fazer muito sucesso ou impressionar intelectuais. Prefere seguir no sossego de seu emocionante mundo interior.

Lais filmando, gravida de sete meses (foto arquivo pessoal)

Tpm. Você acaba de dirigir As Melhores Coisas do Mundo, e o Luiz (Bolognesi), seu marido, assina o roteiro. Vocês trabalham juntos e são casados há 15 anos. O fato de você ser mais reconhecida do que ele gera algum incômodo na relação?
Laís Bodanzky. Ah, dura pouco eu ser mais reconhecida, porque o Luiz fala bastante e muito bem, então, quando a gente vai a algum lugar, eu fico quieta e ele fala, fala, fala. E as pessoas babam. Não tem a questão da mulher com o marido. Mas tem uma coisa profissional que a gente traz pra casa que é a figura do diretor em relação ao roteirista. Os roteiristas, inclusive nos Estados Unidos, reivindicam também a autoria do filme. Mas a verdade é que, independente de eu aparecer mais na mídia, muitas vezes eu é que acabo cobrando do Luiz um reconhecimento da minha autoria.

As Melhores Coisas do Mundo é o terceiro longa-metragem de vocês. E, como nos anteriores (Bicho de Sete Cabeças, 2000, e Chega de Saudade, 2008), vocês mergulharam no universo do filme, no caso, dos adolescentes. De onde vem essa intensidade?
Já dirigi muito vídeo institucional para pagar o aluguel. E, uma vez, fazendo um filme para uma empresa de elevadores, ouvi dois técnicos conversando sobre Inferno na Torre [longa de John Guillermin, 1974]: “Você viu por que o elevador despencou naquela cena? As travas um e dois não funcionaram, e ele ficou preso pela trava três”. Pensei: “Cara, o especialista em elevadores acreditou que aquele elevador caiu”. E então, quando fiz o Bicho de Sete Cabeças, lembrava disso. Nos testes era desesperador, as pessoas berravam e se jogavam no chão. Eu falava: “A loucura não é isso. Ela é pra dentro, é silenciosa, sutil, é um olhar”. E então, depois de o filme pronto, uma enfermeira de hospital psiquiátrico falou: “Como você filmou num hospital funcionando?”. Achei o máximo, enganei uma especialista. Do mesmo jeito, uma frequentadora de salão de baile assistiu a Chega de Saudade e perguntou como liguei a câmera lá no meio sem ninguém reconhecer os atores. E agora, em As Melhores Coisas do Mundo, escutei adolescentes dizendo que nunca foram tão entendidos quanto por esse filme. O adolescente é meu especialista, é o ser mais “cri-cri” que existe.

O que você viu, nas pesquisas para o filme, sobre bullying, preconceito e homossexualismo entre os adolescentes?
Percebemos que, claro, tem uma diferença no homossexual de uma geração pra outra, mas não é uma aceitação. O homossexual que se declara é o extrovertido. Mas, se a pessoa não tem clareza, é classificada na escola e isso pode ter consequências graves. Ao mesmo tempo, tem um certo “oba-oba”, um modismo entre as meninas de se beijarem, um pouco para dizer: “Olha como sou liberada”. Mas não é uma consciência sexual. Por isso, quando aparece uma menina que seja mesmo diferente, a tendência é ser isolada. O bullying já existia na minha geração, mas ganhou outra ferramenta, a internet, e uma intensidade maior. Hoje o aluno que é isolado do grupo vira piada e pode mudar de colégio, até de cidade, que a informação sobre ele vaza. É um pesadelo kafkiano. E isso acontece na surdina, só os adolescentes percebem. Existe um medo geral entre eles de ser diferente, de ser vítima do bullying. Então, muitos falam de alguém antes que falem dele. Independente das mudanças tecnológicas, eu entendo tão bem o que eles estão dizendo... É um sentimento eterno, que vai pular de uma geração para outra.

Você acredita que por falar desses sentimentos universais é que seus filmes emocionam pessoas de idades variadas?
Minha praia são acontecimentos internos. Tanto que em As Melhores Coisas do Mundo só tem duas cenas de ação. Dou espaço para o silêncio cheio de informação. Por exemplo, a cena dos irmãos [vividos por Francisco Miguez e Fiuk] é, para mim, de uma intimidade que só é possível entre irmãos, com a intimidade de uma vida. Tem as dores do mundo que você vai dividir com aquele que acha que te entende mais. Quando a gente fez a pesquisa perguntava para os adolescentes: “Você tem alguém que admira?”. Muitos falaram: “Meu irmão”.

Você tem irmãos?
Tenho duas meias-irmãs, por parte de pai. Sou do primeiro casamento dele, e elas são do segundo. Nasceram no Rio de Janeiro, e eu sempre morei em São Paulo. Cresci filha única, sempre desejando ter um irmão. Quando a Alice nasceu eu já tinha 12 anos. Mesmo assim foi tanta alegria... Tenho duas filhas, observo, acho maravilhosa a relação entre irmãos.

Sua primeira filha foi planejada?
Sim. Eu queria engravidar quando a gente fez a viagem pelo interior do Brasil com o Cine Mambembe. Eu achava que já estava na hora de engravidar, mas não engravidei. Quando voltei, ia começar a filmar o Bicho de Sete Cabeças, e uma amiga falou: “Não engravide agora!”. Ela me convenceu de que não tinha nada a ver um set com uma mulher barriguda, que pode precisar de cuidados. O cinema não tem essa de “espera um pouquinho”. Aí me cuidei e, depois que lancei o Bicho, veio a Carolina.


E a Mariá, também foi planejada?
Foi. Mas não me imaginava mãe de meninas. Acho que porque nunca fui vaidosa. Essa coisa da unha [mostra as unhas curtas pintadas de verde] é novidade. Nunca fui a mãe que quer o cor-de-rosa, o frufru, achava que ia ter mais empatia com menino. Mas descobri que é uma delícia ser mãe de menina. Para mim, teve um lado também de me permitir ser mulher, comprar um batom, fazer uma maquiagem, coisa que eu não ligava.

Como é sua rotina e a do Luiz, trabalhando com cinema e pais de duas filhas pequenas?
A gente é muito presente. Almoço em casa todo dia, faço lição de casa junto. Ontem a Mariá ficou com febre, e eu passei o dia com ela. Desde que tivemos as filhas, resolvemos seguir a antroposofia [linha de medicina baseada em conceitos do pensador austríaco Rudolf Steiner]. E essa é uma escolha que exige muito da família porque você tem que ter um comportamento alinhado a todo o tratamento, que não é só quando a criança está doente. Tem que segurar uma barra porque os remédios antroposóficos não cortam nada imediatamente, não é simplesmente dar aquelas gotinhas. Então esse lado mãe ficou muito forte. Já nos momentos de filmagem – que não acontecem toda hora –, são dois meses que eu desapareço, e aí o Luiz dá o suporte. Mas elas sentem bastante, eu percebo.

Você sente a tão falada culpa da mulher que se divide entre profissão e filhos?
Me policio para não sentir, mas sinto. Ter filho é barra-pesada, no sentido de continuar sendo você mesma. Existe uma cobrança: “Como não vai dar conta de ser mãe e trabalhar? Dar à luz e fazer o supermercado, deixar a casa linda...?”. Por mais que eu tenha consciência de que é uma bobagem querer ser uma “supermulher”, na hora do vamos ver, acho que tenho que dar conta de tudo sim. Por causa disso neste momento estou exausta. Não cuido de mim, não faço ginástica, não arrumo meu escritório, não... me respeito. Tudo que é pra mim, penso: “Ah, deixa pra depois”. Sabe aquilo que falam, na hora do voo, que, se acontecer uma pane, primeiro coloque a máscara de oxigênio em você e depois na criança? Eu sempre pensava: “Por que não antes na criança?”. Depois é que percebi: se o adulto não está bem, como vai cuidar da criança? Eu ainda estou na busca de colocar a máscara primeiro em mim. Quando você quer dar conta de tudo, quer é não fazer feio para os outros. Acontece que às vezes faz feio para você mesma. Mas tem um lado engraçado: o meu banheiro não tem a tranca, então, cara, elas entram até no banheiro, e sem claquete [risos]. É divertido, um agito que não tive na infância.

E como é passar o dia falando de trabalho com o Luiz e à noite deitar com ele?
Quando vejo, estou fazendo reunião de trabalho na mesa da sala, à noite. Se estamos em casa, deveria ser um momento de desligar, mas esse momento nunca existe. Então vai criando uma panela de pressão. Pra você ter uma ideia, na época de Bicho de Sete Cabeças a gente mudou para o apartamento que era do meu avô. Como não tínhamos um escritório e o apartamento era grande, decidimos abrir a Buriti lá mesmo para produzir o filme. Aí acabou a filmagem, mas ainda tinha a Buriti, que continuou funcionando com o Cine Mambembe. As pessoas que trabalhavam com a gente tinham a chave. Até que teve um sábado, à meia-noite, em que estamos eu e o Luiz indo dormir, quando eu escuto um barulho na porta, alguém entrando. Era uma produtora: “Vim pegar uma coisa”. Lembrei que tinha que falar com ela e disse: “Vem cá”. Ela entrou e fizemos uma reunião: eu e o Luiz na cama, debaixo do lençol, conversando com ela sobre coisas do trabalho. Aí falamos: “Chega”. E montamos um escritório do lado.

Como surgiu a ideia do Cine Mambembe?
O Luiz e eu temos um encontro muito feliz de ideias que conseguimos tirar do papel. A gente tem um lado empreendedor, então falamos: “Vamos levar cinema para as periferias?”. Primeiro saímos pela Grande São Paulo: praça da Sé, Santo Amaro, São Miguel Paulista, Taboão da Serra... Depois, pelo interior do Brasil. Foi muito forte a experiência, só nós dois. Fizemos isso em 1997 e 1998. Agora o negócio cresceu e acabamos cuidando mais da burocracia, dos números. E foram criadas também as oficinas de vídeo e, mais recentemente, as oficinas virtuais - www.telabr.com.br

Seus filmes agradam o grande público, mas também são considerados de qualidade, não apenas comerciais. Como atingir esse equilíbrio?
O Luiz, principalmente, tem uma experiência com o universo de comunicação empresarial. Isso deu a ele a capacidade de traduzir um raciocínio complexo para um operário, sem perder a classe, mas se fazendo entender. Da minha parte, eu não saberia fazer um filme cabeça, fechado, hermético, nas referências ou nas citações, porque eu não me considero uma teórica, uma cinéfila. O cinema que faço é como sou, mais ligada às emoções.

Do mesmo jeito que As Melhores Coisas do Mundo chegou às suas mãos como uma ideia pronta, chegam outros convites de direção?
Chegam. Na época do Bicho começou a chegar muito roteiro, mas só tragédias [risos]. E eu querendo engravidar, ficar leve. Mas nunca aceitei nenhum convite. As Melhores Coisas é o primeiro projeto que encarei, mas só porque era com o Fabiano e o Caio, da Gullane Filmes, que são meus amigos de faculdade, e porque a gente ia criar o roteiro do zero. Eu vou fazer poucos filmes na minha vida, sei disso. Tenho que ser muito sincera com minhas escolhas, porque todo mundo quer te seduzir.

O que te motiva a fazer cinema?
O desejo de tocar, comunicar uma pessoa. Ter a sensação de que deu tanto trabalho, mas no fim está tudo bem. Ontem uma amiga me disse que achou As Melhores Coisas parecido com meu primeiro curta, Cartão Vermelho, mas mais maduro. Achei legal reconhecer uma coerência no que faço há 20 anos.


Para re portagem na integra, visite o site da TPM (Trip para Mulheres), ou clique na link que e' o titulo deste post

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